"preparo um canto que faça acordar os homens e adormecer as crianças"


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Cuidado Com!

A partir de agora, Cuidado Com! será o nome da "coluna" que tratará de assuntos que são poucos criticados, observados apenas superficialmente e que acabam por confundir a relação Homem x Natureza, e por conseguinte, a relação Homem x Homem.
Esta ideia é fruto da experiência que tive hoje, vendo o filme Lutero, o qual tive que passar para uma turma de 11 anos, 6ºano. Imagino que eles não têm a perspicácia para entendê-lo como um filme que trata da relação entre os homens...muito menos, para entendê-lo como um filme que trata, primordialmente, da relação do homem com seu passado e com a natureza. Pois é um filme que trata sobre Religião.

Religião, do latim religio - religar, consiste portanto, etimologicamente, em uma proposta na qual o Homem quer se religar ao divino, ao seu Criador, portanto o seu passado mais remoto.
Note-se que nem todas as religiões buscam Deus(es) fora de si. Algumas buscam se religar com a sua natureza animal; qualidades esquecidas no interior de um ser assolado por informações, longe dos animais, das águas limpas e das suas floras.
Alguns arriscam dizer que os Deuses surgiram a partir da Fome e do Medo do homem primitivo. A Fé surge da Satisfação da Fome. Eu arrisco.
Todos sabemos que a primeira fonte de alimentos, a primeira Mãe-do-Homem, que o presenteava todos os dias com sua Mesa-Sempre-Posta, é a Natureza. Era ela que sozinha protegia e alimentava os homens e, por isso, saciando nossa fome todos os dias, os Deuses estavam nela. Animais-deuses, relacionados a saciação da Fome direta (animal alimento) ou indiretamente (animal que vem na época da colheita - tido como aquele que traz o alimento ao homem primitivo, por exemplo), são encontrados na História. Ainda, seguindo a evolução do Homem com sua agricultura, surgiram Deuses relacionados à fertilidade do solo e à abundância das águas. A esses deuses eram oferecidos alimentos, festas, música. É a Fome impulsionando os primeiros cultos à divindades.
A mesma Natureza que alimenta também mata. O Medo do Homem de morrer como presa é o que explica a origem de Animais-deuses como o Urso, o Elefante e o Leão. Observa-se que os Deuses eram os próprios animais, com suas formas e qualidades. A esses animais eram oferecidos sacrifícios humanos e/ou de seus animais totêmicos (como pode se dizer da vaca na Índia, hoje em dia). Aí então, era o Medo que impulsionava os cultos. Nota-se que muitas vezes, os povos comiam os animais totêmicos e os Animais-deuses, afim de adquirir suas qualidades. Ainda hoje, nas Igrejas Cristãs, se come o corpo e o sangue de Jesus Cristo - o filho de Deus. Pensem nisso Cristãos. Ao Islã, lembro que o jejum é também um culto ao alimento, pois, privando-se dele, o Homem o valoriza. A origem animal de Deus, unificando qualquer corrente que possa haver.

Com as complexidades de relações, comunidades e sociedades, os deuses foram se antropomorfizando. O Animal-deus (leia-se a Natureza) não era mais quem trazia a comida ou oferecia o Medo. O Homem estava "a salvo" da Natureza. Podia suprir sua alimentação não mais tão dependente desta e suas cidades eram o abrigo contra os Animais do Medo.

Contudo, ó Homem!

Como diz Reclus, "o Homem é a Natureza consciente de si mesma" e, com efeito, o Homem reproduziu na sua Segunda-Natureza, construída para sua sobrevivência, as mesmas relações totêmicas e deificantes (ou divinizantes) que encontrou na sua experiência in natura. Chefes de Tribos, Reis, Imperadores e todo tipo de hierarquia baseada no Medo e no controle da Fome/alimentação são encontradas através dos tempos. Percebe-se logo que muitas são as semelhanças destes com os Animais-deuses de outrora. Chefes de tribos eram executados quando atingiam idade avançada e decaiam fisicamente. Onde a antropofagia era costumeira, estes Chefes eram refeição de um grande banquete, festejando os antepassados. Essa prática tinha como fim dar aos que comiam daquela divina-carne as qualidades dos Chefes. Imperadores e Reis são análogos aos Animais do Medo; para ambos, são oferecidos cultos, sacrifícios (não só de morte, mas de vida) e submissão, em troca da simples possibilidade de se reproduzir enquanto indivíduo, se protengendo atrás dos muros dos feudos ou das cidades. Além claro, da relação de controle alimentar em todas as sociedades hierarquizadas.

Na medida em que as sociedades vão se misturando e criando uma complexa rede de relações, a Religião - ou seja, a forma do Homem se (re-)encontrar com seu passado remoto, seu Criador, sua natureza - tambem muda. Ao invés de adorarem Animais-deuses, demonstrando a relação de submissão do Homem à Natureza, surgem Deuses com corpo-de-homem-cabeça-de-animal no Egito, denotando que, apesar de antropomorfizado, o Homem respeita a sabedoria da Natureza, representada pela cabeça-de-animal. Posteriormente, na Grécia, encontramos Deuses com feição totalmente humana, porém que manuseiam a Natureza como forma de poder (o raio de Zeus e os mares de Poseidon), o que ainda aponta para um respeito às forças da Natureza. Ainda na Grécia observa-se uma transição interessante: os Deuses se misturam e geram filhos com os Homens. Aí então, o Homem toca Deus e dele surgem outros homens, os semi-deuses. Porém, os Deuses do Monte Olímpo, (que não estão no Céu, note-se) não tocam os Homens com suas formas originais, tornam-se animais, ideia facilmente inteligível quando se tem em conta que na phísis grega, toda Natureza é Deus e é representada pelas figuras do Olímpo. Hércules. por exemplo, nasce do contato de uma mulher com uma pomba. Será que é daí que surgem as virgens que dão origem aos Profetas Jesus e Maomé, por exemplo? Talvez, não? Além de Hércules, outros exemplos de outras partes do mundo podem ser encontrados em pesquisa. Entenda-se que esse suposto sexo entre animais (Deuses transformados) e homens, não necessariamente se deve ao ato sexual. O sexo é uma relação que visa a reprodução de certa espécie. O homem que domina a reprodução da planta, tem uma relação sexual com ela para garantir sua alimentação. Ainda, ratificando a co-evolução entre sociedade e ideia de Deus, nota-se que é na Grécia, sociedade onde nasce a filosofia e o Homem é objeto de adoração, surge Deuses relacionados aos sentimentos humanos, como Afrodite - a Deusa do Amor, e Ares - o Deus das Guerras, da Sede de Sangue e da Matança. Isso deixa claro que, uma vez que está sendo construído, lapidado, o entendimento da Natureza Humana, está se construindo também Deuses para "justificar", simbolizar esta demanda intelectual e social de compreensão.

A completude desta transição na qual Deuses e Homens se misturam se dá quando o mundo judaico-cristão, conquistador de territórios, deturpa a phísis grega, tira os Deuses da Natureza, da Terra e colocam-no, Monoteisado, no Céu. Pronto, agora "Deus" está no Céu, mas a Ideia de Deus permanece no Rei, como já dito antes, caracterizando a fusão de Deus e Homem. O Homem é o prórpio Deus, que pode interferir na Natureza à sua vontade. Parece familiar?

Finalizando, sem aprofundar tudo o que poderia, enfatizo que a Religião não passa de uma forma do Homem se (re-)encontrar com seu passado remoto, seu Criador, sua natureza homo sapiens e portanto é um reflexo direto da relação inicial, da relação Homem x Natureza.

A compreensão da origem animal de Deus(es) torna inconveniente qualquer desavença entre as diferentes correntes religiosas. Todas, metaforicamente, ainda estão cultuando o passado remoto do Homem, e agradecendo aos antigos, nossa sobrevivência.

Cuidado Com! isso Religiso! E você que não é adepto a esse termo por ter sido muito alterado em seu sentido Homem x Natureza original, busque se (re-)encontrar com nossa natureza e, mesmo que não diga para se preservar, se considere um Religioso da mais crítica e analítica vertente do termo.

BASE DO TEXTO: A ORIGEM ANIMAL DE DEUS - FLÁVIO DE CARVALHO, 1973.

(DES)CAMINHOS DO MEIO AMBIENTE - CARLOS WALTER P. GONÇALVES - 1989.

GEOGRAFIA UFF.

!!LEIAM ESTES LIVROS PARA APROFUNDAR ESSA IDEIA!!


2 comentários:

  1. Então, tudo não passa de uma busca da força superior? pq admitir que a natureza é mais forte que o homem é assumir a nossa vulnerabilidade e como nós detentores do saber podemos nos submeter a forças da mãe terra?! será que isso foi um dos motivos para descrença dos deuses da natureza? da "religião natural"?

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  2. concordo com a sua reflexão Glaucia!! 8)
    e acho que a resposta pode ser sim, da maneira que eu entendo..

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